Literatura e Sociedade n.21 (2015)

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A Revista Literatura e Sociedade está disponível online no Portal de Revistas da USP. Confira o conteúdo completo deste número, acessando nossa página: http://www.revistas.usp.br/ls/issue/view/8624

EDITORIAL

Este número da revista Literatura e sociedade, o segundo de 2015 e o vigésimo primeiro de sua história, oferece ao leitor um conjunto de nove artigos divididos de maneira equilibrada entre estudos sobre autores brasileiros e análises de escritores estrangeiros.

A abertura deste número fica a cargo de um ensaio comparatista que considera o manifesto como gênero discursivo. O artigo de Vanessa Beatriz Bortulucce (“O manifesto como poética da modernidade”) recupera a história do conceito e da palavra manifesto, concentrando-se em seguida em sua transformação na modernidade e depois na passagem de fenômeno eminentemente político a intervenção artística. Lido como ato cujos sentido e estética devem ser entendidos como parte de uma busca por legitimação, uma tomada de posição dentro do campo (político, artístico, social) em que o manifesto se insere, o gênero será demarcado por Bortulucce sobretudo através de suas características temporais, em particular sua falta de permanência e sua relação impaciente com o presente.

O conjunto de quatro textos sobre literatura brasileira é inaugurado por Vitor Cei Santos e seu ensaio “Niilismo político e galhofa em Esaú e Jacó, de Machado de Assis”. Argumentando que a fortuna crítica do autor não teria dedicado atenção devida ao tema do niilismo, o que teria dificultado inclusive o reconhecimento do caráter pioneiro da leitura que dele foi feita pelo escritor brasileiro, o artigo chegará a esboçar até mesmo um caminho para uma eventual leitura de Nietzsche à luz de Machado de Assis. No terceiro artigo da revista, Valter Cesar Pinheiro se detém em alguns ensaios breves escritos por Mário de Andrade nos anos 1930. É nesses textos, argumenta Pinheiro, mais do que nos ensaios de mais fôlego da década seguinte, que se cristaliza o modo como Mário de Andrade entende as funções sociais do artista e do intelectual, e é neles que surgem noções como “artesanato” e “traição” que posteriormente serão decisivas para o escritor.

No artigo seguinte – “Graciliano Ramos e as aporias do perdão” – Gustavo Silveira Ribeiro se apoia em textos de Jacques Derrida para elaborar uma leitura da autobiografia Infância como reflexão sobre a experiência paradoxal do perdão, descrito pelo ensaio como “a abertura ao outro que o processo da escrita memorialística deflagra, abertura que se dá no texto e como texto”. Na leitura de Ribeiro, ao rememorar cenas de violência ao mesmo tempo em que as dilui e desloca, Graciliano provoca uma espécie de choque de tempos, em movimento que é aproximado da imagem de “caminhar de costas” de Carlos Drummond de Andrade. É justamente sobre Drummond o artigo que encerra os estudos brasileiros deste número da Literatura e sociedade, “O processo expiatório de A rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade”. Nele Leandro Pasini revisita os poemas do autor para propor que a operação presente neles, e que Antonio Candido chamara de “redenção pela poesia”, poderia ser entendida como uma forma de expiação, um movimento capaz de “unir experimentação poética, interpretação da realidade brasileira, engajamento social e história mundial, criando uma imagem dialética singular da relação entre as potencialidades poéticas da poesia modernista e as fraturas sociais brasileiras”. Ao longo da exposição de sua hipótese de leitura, o ensaio acaba sendo também levantamento e comentário sobre textos fundamentais da fortuna crítica de Drummond, passando por Sérgio Milliet, Otto Maria Carpeaux, Antonio Candido, José Guilherme Merquior, John Gledson, Iumna Simon e Vagner Camilo.

O primeiro artigo a se afastar do contexto brasileiro – “Parte da sociedade ou sociedade à parte? Representação de judeus na novela Die Judenbuche (1842) de Annette von Droste-Hülshoff”, de Magdalena Nowinska – produz um deslocamento que é também temporal, ao voltar ao século XIX alemão para examinar a novela ainda sem tradução ao português. A “close reading” realizada pela autora terá como núcleo, além das personagens judaicas, o foco narrativo da novela e sua representação da relação entre judeus e gentios. Já em “Reescritas fantásticas e fantasmáticas do ‘eu’ em Marie NDiaye”, Irene Corrêa de Paula Sayão Cardozo vislumbra nas narrativas da escritora francesa a subversão da literatura realista e desenvolve análises que aproximam os romances Mon coeur à l’étroit e Autoportrait en vert tanto do gênero fantástico, de longa tradição na literatura ocidental, quanto das elaborações psicanalíticas de Freud e Lacan.

Em seguida, Júlia Almeida parte do problema da remoção forçada de populações urbanas vulneráveis para ler comparativamente os romances Texaco, de Patrick Chamoiseau, e Becos da memória, de Conceição Evaristo. Sua hipótese de leitura é que há nos dois escritores estruturas de sentimento semelhantes, respostas paralelas à precária territorialização da diáspora negra no Brasil e na Martinica, nas quais se faz presente de modo agudo a memória da escravidão. Finalmente, fechando este número, em “Entre o sonho e a morte: desvelamentos, revelações e contaminações na narrativa ficcional de Mia Couto”, Manuel Tavares encontrará no escritor moçambicano um exemplo de “estética literária pós-colonial”, uma obra em tensão com a matriz linguística colonial e em diálogo produtivo com alguns autores brasileiros.

Desejamos que a leitura deste número da Literatura e Sociedade, que completa aqui dezenove anos de publicação ininterrupta, seja proveitosa e estimulante, e deixamos registrado nosso agradecimento a todos aqueles participaram da produção da revista, em particular aos nove autores dos artigos aqui publicados.

Comissão Editorial